domingo, 17 de julho de 2011

Ao desperdício de tempo que é ter opinião própria.

A mocinha pobre e triste se casa com um executivo bonitão e rico e tudo acaba bem.

O mocinho pobre dá uma volta na vida e casa-se com a menininha que era uma patricinha desgraçada que aprende a valorizar as outras pessoas.

O malvado com cara de malvado que sempre se dá mal no final. Ou se sacrifica e tem uma redenção absurda. E é tratado como bonzinho. Acha seu grande amor no último episódio da novela.

O amigo gay que só sabe cortar cabelo e costurar roupas e fazer fofocas, com suas calças justas e todo o glitter e tudo mais. No fim ele acha alguém com o mesmo estereótipo. Sair do armário significa entrar em mais um clichê.

E clichês se empilham. Formam um castelinho, onde o coletivo se acolhe, se abriga, onde faz uma casa e um lar e forma família e a risada é esculpida no rosto com martelo e cunha.

Os clichês, o maniqueísmo. O final feliz.

O instinto coletivo e o sentimento coletivo e a ignorância coletiva.

Mas tá tudo bem, porque domingo tem futebol, e quarta tem futebol.

Domingo tem churrasco com a família, quinta tem sexo com a patroa. Quem sabe visitar aquele cunhado insuportável no sábado? Ou aquela tua tia que não vemos desde o ano novo?


E eu aqui, perdendo meu tempo tentando ter opinião própria, tentando diferir disso tudo, fugir do padrão, e me sentindo uma aberração por isso.

domingo, 1 de maio de 2011

O diário do figurante.

Mais um belo dia, nublado mas tranquilo, sem ventos nem nada. Me dirigi até uma parada de ônibus e fui até meu trabalho. Captei alguns olhares cativantes no caminho. Produzi bem, olhem como sou um trabalhador ideal. Quinze vendas em um dia, que maravilha. Talvez daqui uns seis meses eu ganhe um aumento. Não, claro que não. A empresa fará uma limpa para contratar novos novatos sem experiência daqui a duas semanas. Bom, já vou mandando meu currículo para outras empresas similares então. Bom, é isso diário, volto ao meu casulo de normalidade, quem sabe amanhã eu não saia com meus amigos de trabalho após o término do turno para beber algumas cervejas geladas no bar há duas quadras da firma. Quem sabe. Será divertido.

Fim de narrativa.

PS: e ele pegou a corda, amarrou uma ponta no suporte da cortina, passou a curva do nó no próprio pescoço como se fosse uma gravata, e sentou na janela a olhar o horizonte. Quem sabe o que pode acontecer.

Desfigurado.

Um belo dia, acordou o sol bem em cima de um indivíduo sem individualidade. E tal indivíduo, perturbado pela ausência de cuidado de tal astro plasmático, ergueu uma mão em palma perpendicular às sobrancelhas e resmungou qualquer coisa a si mesmo.

Caminhou por meia hora até chegar ao edifício. Entrou. Cumprimentou o segurança e o porteiro, ambos atrás da mesa de pseudo-mármore. Apertou o botão que solicita o elevador e esperou. Entrou na cabine. Apertou o número 15. Desceu no andar. Destrancou a porta de seu consultório, abriu a janela para a bela manhã de outono e esperou seus clientes.

E um a um eles saltavam pela janela em direção ao mundo desfigurado. E além. Rumo ao nada.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Um ode ao conhecimento pseudo-íntimo tão chamado de amizade.

Há três tipos de conhecimento às personalidades alheias: aquilo que aparentamos ser; aquilo que nós fingimos ou tentamos parecer ser; e aquilo que as pessoas pensam que somos. Nenhuma das três personæ cognitæ é quem somos de verdade. Mas partindo-se daquilo que observa-se em comum, ninguém é o que acha que é. E, claro, não há como fugir da condição de egoísmo absoluto, que disfarçamos com máscaras de altruísmo no nosso dia-a-dia. Alguns mais, outros menos.

E não, não lembro o que é um bendito ode. Chame isso de incoerência, mas continua sendo apropriado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O crítico de reciclagem social (trecho aleatório de narrativa inexistente).

Totalmente sem perspectivas, ele atravessa o corredor central de entrada do hotel. Um quatro estrelas qualquer. Pede um quarto. Uma noite, café da manhã, e estrada novamente. Paga adiantado. Sétimo andar, quarto 712. Abre a pequena geladeira, que ele insiste em não chamar de "frigobar" por motivos pessoais. Retira duas garrafas de vodca aleatória e lhes esvazia na garganta. Não deviam ter mais de meio litro, ao todo. Dorme tranquilamente. Acorda, desce à sala de refeições do hotel. Um café com leite, um café preto sem açúcar. Um par de torradas puras, com margarina com sal. E se retira do hotel. Abre um caderno na última página escrita, pula duas linhas, assinala a data e o nome do hotel. E então adiciona às linhas o breve mas sucinto texto "Acomodações adequadas. Pouco movimento. Saída de incêndio externa em estilo norte-americano, perfeita para 'emergências'. Estacionamento abaixo do edifício. Dois elevadores sociais, um elevador de serviço. Ambos vão até o subsolo. Há a tecla 'L', que impede paradas solicitadas. Veredicto: apropriado. PS: descobrir, por curiosidade, o que significa o tal 'L'.".

E, então, conclui, com um sorriso dissimulado, enquanto atravessa dois bairros até chegar à beira do mar, em direção ao mirador, que era hora de colocar o lixo no lixo.

Um delicioso imprevisto.

Pois, nem sob abrigos psicotrópicos, nem sob mutilação voluntária, nem debaixo das mais subterrâneas rochas, nunca se poderá fugir dos dois gêmeos parasíticos chamados Consciência e Personificação.

Só resta embebedá-los e agir nas trevas. Ou nem.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Canivete-de-mola de Occam.

E, enquanto boa parte da multidão brandia a mesma bandeira. Enquanto todos bradavam o mesmo nome. A mesma legenda. A mesma ideologia. A mesma cor. A mesma simbologia. Enquanto todos se agitavam como um tronco podre de madeira totalmente preenchido de vermes, que repentinamente é quebrado e obriga os vermes a se socarem ainda mais, pulsando, vibrando juntos, de forma totalmente aleatória. Sem nem saber o motivo. Só porque o resto dos vermes também pulsava. Também se balançava. Enquanto todos seguiam adotando as ideias alheias, comprando a luta que nem sabiam muito no que consistia, ele se mantinha de fora.

E observava. E cortava com seu canivete-de-mola, que só ele via, o tecido engordurado da realidade. E via o recheio desse aglomerado, sem indivíduo, uma unidade, uma entidade, que só poderia ser chamada de algum nome como Massa. Com M maiúsculo. Via essa entidade de forma transparente como um cristal polido de quartzo macrocristalino anédrico. As palavras flutuavam, nítidas, sobre a Massa. Lia-se "a Massa é imbecil".

Ele sabia que se fosse empurrada pelo seu Pai, a Massa iria cegamente a qualquer lugar. Deixaria que lhes tirassem o chão debaixo de seus milhões de pés. E cairia, sem perceber até se chocar contra o fundo distante do Poço, se espatifando de volta nos indivíduos. Muitos dos indivíduos partidos. Mas a Massa não aprende. Só o indivíduo aprende.

Então se abaixou junto do solo e puxou o Assoalho com toda a sua força.