terça-feira, 13 de outubro de 2009

Um passaporte

E então entrou no ônibus e sentou-se ao fundo, no assento junto à janela. Afinal, é uma viagem longa. Através da janela viu luzes, formas, tons. Linhas, pontos, triângulos e quadrados se sobrepondo em quadros. Quadro a quadro. Como um storyboard. Mais uma pessoa sobe. Mais outras três descem. Sobem mais cinco. Mais dez. Descem outras nove. Assim até o final. A viagem é longa.

Ao final da viagem, pega sua bagagem e sai. Apesar das horas de viagem, ainda é dia. Porém, terá de andar quadras com suas malas cinzentas e pesadas. "Não é nada de mais", pensa ele, afinal, já havia percorrido aquele caminho tantas vezes. A casa da família. Familiares. Um lugar que há anos atrás chamava de sua casa. Agora é a casa da família. Dos parentes. Um lar perdido mas jamais deixado.

Ao caminhar na beira da rua, observa os paralelepípedos irregulares que pavimentam a estreita via de mão-única. Bocas de bueiro. Meio-fio mudando de branco para amarelo, e novamente para branco, e para inexistente. Calçada de pedra, de granito, de brita, de terra batida, de barro. São várias quadras, mas o caminho é conhecido o suficiente para os pés andarem sozinhos.

Após quase meia hora finalmente a vê. A antiga casa de alvenaria branca com janelas de madeira crua, há anos não re-envernizada. Respira fundo. "Cheguei em casa... bom, 'casa'?", diz ele pra ele mesmo. Larga a mala da mão esquerda e abre o portão de um metro de altura, há muito enferrujado. Anda o caminho estreito de pedras simétricas retangulares. Conta os passos. "Quinze passos, até o primeiro degrau da escada", pensa ele. "Quando saí daqui pela primeira vez definitiva eram mais de vinte...".

Sobe os três degraus idênticos e bate à porta. Passos. Algum parente atende.

"Olá, meu filho!", diz a velha senhora ao conhecido estranho. E então ele entra. E encontra seus parentes.

Família. Um antigo conhecido e novo desconhecido no meio de velhos conhecidos desconhecidos. Estranhos conhecidos. Laços obrigatórios.

Família.

Acende a lareira, senta de costas para ela, fazendo parte do círculo de consanguíneos na casa de sete cômodos. E contam suas histórias. E inventam suas estórias.

E o fogo sobe, desce e se apaga. Outro fogo vem, a seguir. São chamas diferentes, mas todas elas queimam a madeira e liberam fumaça. E aquecem o ambiente. De velhos conhecidos, velhos desconhecidos. A cuia passeia de mão em mão, tomando suas paradas individuais.

Família.

Família?

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