sábado, 16 de outubro de 2010

A incrível reviravolta de uma vida qualquer.

Lúcia tinha tudo que queria. Tinha uma bicicleta. Um carro popular confortável. Uma estante cheia de livros dos quais ela provavelmente não lera um quinto. Duas prateleiras lotadas de DVD's, dentre eles alguns boxes, dos quais ela nunca viu o último DVD de pelo menos a metade. Uma cama de casal, com box, colchão de molas, encosto macio e um notebook que permitia-lhe verificar seus muitos perfis em redes sociais durante todo o dia, em qualquer canto da casa devido ao maravilhoso advento da internet wi-fi. Estudava (Letras, em Português, por ser uma criatura extremamente única, de mente aberta para o mundo inteiro, mas não ser muito boa com desenhos, nem com teoria de música, nem com atuar em cima de um palco de chão de madeira, e nem nada desses luxos, embora ela acreditasse apreciar todos eles, e eles de fato lhe deixavam feliz, mas nunca os analisava de forma técnica. A vida é um grande improviso, ela cria. Mas nunca ponderou que os improvisos sempre são em cima de bases já conhecidas). Trabalhava (era garçonete em um café de sua cidade, consideravelmente grande para o tipo de estabelecimento que é. Escuro, como todos são, mas sem áreas para fumantes). Tinha por hábito sair de meia em meia hora, ir aos fundos com uma dose furtada de Red Label, fumar dois Lucky Strike em sequência, e então tentar lembrar do último filme que vira, o último livro que lera, e sobre nada. Era uma garota normal, agradável, no auge dos seus 21 anos. Unhas vermelhas, descascando. Sabia perceber o charme das pequenas imperfeições do dia-a-dia. Sentia-se meio desapontada por ter a visão perfeita, pois simplesmente amava aqueles óculos que suas colegas usavam, se bordas grossas, com lentes do diâmetro de uma bolacha maria pelo menos, e ficariam tão bem com seu rosto cheio de curvinhas, com o queixo saltado como o vértice suave do fundo de uma avelã. Era uma garota agradável. Gostava de autores alternativos, diretores de cinema alternativos, bandas alternativas. Vivia uma clássica vida "alternativa", sendo um padrão que lhe cabia muito bem.

Um dia, entre suas compras discretas de livros, ela comprou um livro do Aldous Huxley.

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