quinta-feira, 15 de julho de 2010

Alma


Vestiu seu melhor vestido, com suas melhores meias-calças, com seus melhores escarpins. Preto com preto com preto. E detalhes em prateado. Um lápis acentuou seu par de pálpebras vibrantes, ressaltando seus gigantes globos oculares, dois orbes brilhantes cheios de gravidade. Deixou o cabelo solto, com um leve volume nas mechas lisas acima dos ombros. Um pingente simples e sua bolsa de couro preta com detalhes em prateado. Estava combinando. Dois pequenos jatos de seu perfume amadeirado e nenhum batom, pois seus lábios já tinham toda a cor e todo o volume que algum ser poderia ter que ainda não fosse exagerado.

Era uma criaturinha simétrica, no alto de sua jovem idade adulta e de seus um metro e setenta e quatro. Pele claríssima e cabelo cor de petróleo. Algumas sardas, mas ela gostava delas. Não usava brincos, pois possuia lobos recessivos.

Encontrou suas duas amigas genéricas e saiu. Pagou a própria entrada. Foi ao bar e pediu um black russia. E mais um, agora para saborear. Suas amigas já haviam achado seus pares provisórios, mas ela continuava no seu canto. Ouvia a música genérica (a casa até que tinha um bom gosto musical, mas para ela tudo soava tão genérico quando de pano de fundo para aquelas pessoas genéricas). E bebericou seu black russia, num sofá ao canto, pernas cruzadas, esquerda sobre direita, a de cima balançando suavemente com os graves da música, fosse qual fosse. Não prestava atenção. Observava genericamente as pessoas igualmente genéricas. Grupinhos que se faziam, se consumiam em risinhos e risadas. Olhares cheios de segundas intenções para todos os lados, inclusive para cima dela. Via os garotos com seus garotos ou com suas garotas, e as meninas com seus pares quer sejam quais fossem eles. Tudo cheirava a provisório. A fumaça de black cigarettes, a álcool derramado, a suor e a hormônios. Um vomitódromo de hormônios. E ali ficou, bebendo lentamente seus copos de black russia. Encontrou suas amigas na saída, quatro horas depois. Ambas vermelhas, com sorrisos martelados em seus rostos, maquiagem borrada, cabelos bagunçados, roupas amassadas e cambaleando de embriaguez etílica. Pagou sua comanda e foi embora.

Chegou em casa e se jogou na cama. Ligou seu computador e pôs seu media player no aleatório. Esfregou com o lado interno das mãos seu rosto, espalhando a maquiagem, sorrindo para o teto, esfregando seus pés ainda com meia um no outro. E sorria francamente. Pois sabia que era.

Ela existia pois sabia que era. Mesmo que fosse uma mera ilusão. E mostrou seus belos dentes para o escuro de seu quarto.

Ah, a felicidade pura é tão complexa e tão simples.

5 comentários:

  1. nossa, você descreveu a essência do meu ultimo sabado a noite, que lindo!

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  2. oh, gracias! que bótimo e que triste ao mesmo tempo...

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  3. À noite, ao tédio e à falta de obrigação com seilaoque.

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  4. Amei isso... cheguei a imaginar todo o cenário, a cena... tu sabes como envolvera a atenção de um leitor!


    Bjo

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  5. Tu tem um talendo encantador.. sério, adoro teus textos *-*

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