domingo, 15 de novembro de 2009

Cronologia aleatória, parte 4

Olha-se ao espelho. Um par de olhos ornados por olheiras e rugas o encaram. Pega o pente e o passa continuamente, inutilmente, religiosamente, ao cabelo oleoso e grisalho. Não era comprido nem ao menos curto. E não possuía volume algum, apesar das tentativas. Passa o indicador pela barba por fazer e decide por deixá-la como está. Abre a janela do edifício de classe média-baixa, sujo e com falhas na pintura e no reboco externo. 11º andar. Ele costumava estipular que o prédio provavelmente tinha a sua idade. Talvez mais, talvez mais. Olha para as nuvens no horizonte. Ainda é manhã, pois o sol está baixo. Enfim, desce os degraus semi-correndo e pega seu carro na garagem que, assim como o prédio, fica socada entre paredes externas de outros prédios. O carro era mais novo que ele em quase duas décadas. Mas era fiel. Iniciou na segunda tentativa, aceitou as manobras insistentes das mãos enrugadas porém fortes e se encaminhou à rua.

Sai do bairro, pega uma rodovia e se encaminha à praia. Chega à residência. Privada, privativa. Com um bom pedaço de praia fechada para si. Um pedaço que também coincidia com o único rio sem despejo de esgoto da região. Perfeito, ao seu modo. Chama o caseiro, e ambos dão o aperto de mão tão conhecido. O caseiro tinha estatura mediana, mas era visivelmente forte. Tinha uma caminhonete meio rural, velha mas ainda potente, embora tendesse a dar problemas. Na caçamba levava cordas, instrumentos de carpintaria, alguns tubos de metal e uma furadeira.
"Falaste com a patroa sobre tua demissão?", pergunta o mais velho ao caseiro, "Não acha que o fato da filha dela estar meio rebelde não torna ela mais sensível ao ponto de te obrigar a ficar aqui para esperar para caso ela volte?". Sim, isso realmente poderia estragar tudo. "Ah, ela não pode me prender aqui!", respondeu o caseiro, ou ex-caseiro, como supõem suas palavras."Eu posso me demitir quando eu quiser. E, de qualquer forma, tenho todo o direito de escolher qual emprego cabe melhor a mim.", completa.

Seguem então os dois carros com uma década de diferença de idade, pela rua particular da propriedade, e então pegam a rodovia. Seguem algum tempo, então param em um posto de gasolina para tomar café. Cumprimentam a atendente/caixa/garçonete ruiva, anatomicamente farta, por assim dizer. Duas xícaras de café, um maço de cigarros baratos e uma caixa de fósforos.

"Falou com os irmãos sobre o rapaz?", perguntou o mais velho. "Creio que eles já saibam todos os detalhes sobre esse rapaz."

"Sim, falei. É um rapaz mais novo que nós, estatura média, composição física de ameba.", diz o ex-caseiro."Não tenho conseguido contactar o chefe. Mas, não importa, recebemos metade do pagamento, a outra parte pegamos depois com o chefe. Depois de finalizarmos aquele sanguessuga subnutrido".

"Bom, eu não teria tanta certeza sobre seu chefe", diz o grisalho."Mas, de qualquer forma, o dinheiro que vocês já têm é admiravelmente alto".
"O que tu quer dizer com isso?!", pergunta, levantando bruscamente, o ex-caseiro.
"Ah, nada não, meu jovem. Nada não".

Pagam as contas, pegam seus carros e seguem em direções opostas da rodovia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário