sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Cronologia aleatória, parte 1

E a noite pululava de vida, animais e insetos manifestando sua existência por toda a volta. Nas árvores, nas moitas, nos banhados.

Mas não para ele.

Ele adoraria contar as gotas de sangue que perdia a partir do corte, mas elas infelizmente caíam formando um filete. Cada vez menos sangue. Cada vez menos esperança. Menos minutos. Menos vida.

Sentia-se um idiota por estar assim, se esvaindo, por um golpe que, em situações normais, em um lugar mais perto de alguma civilização, mal poderia ser chamado de "ferimento sério". Mas não. Estava naquela beirada desértica de estrada de terra batida. Se esvaindo. Para ele pouco importava mais se punissem quem lhe fez isso ou não. "Eu mereci, eu sei", pensou ele, "Mas eu realmente precisava me acabar definitivamente por isso?".

E o líquido vermelho, antes vital, agora um sinal fatal que crescia e acumulava ao seu redor, permanecia fluindo, lenta e agonizantemente. Não sentia mais o corte. Verdade seja dita, ele mal tinha forças ainda para permanecer na posição quase-que-fetal na qual se comprimiu para esquecer a dor. Aos poucos seus membros iam se abrindo, seu corpo se esticando. O vento soprou a poeira da estrada em sua boca. Num último lapso de consciência, pensou consigo mesmo "mas olha só, meus semelhantes vieram me dar as boas vindas ainda meio cedo."

E era a isso que ele ia se reduzir ao fim. Ao menos era o que pensava. Esqueceu que ele ainda tinha alguma água no organismo, e não iria virar pó tão seco. Iria virar adubo.

E em adubo se tornou.

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