terça-feira, 3 de novembro de 2009

Corte de papel

Passeava ao redor do lago com as mãos alternadamente oscilando, braços como pêndulos, cabeça baixa, olhos na sombra da aba do chapéu. Era assim, todos os sábados de manhã. Desejava ter um lugar mais privado para caminhar, mas seu cérebro já ficava bem privativo dentro de sua cabeça, selada com um par de canalphones. Ouvia uma música qualquer. Algo instrumental, para voz alguma atrapalhar a sua própria, retinindo em sua cabeça. Patos no lago, pessoas às bordas, pegando o primeiro sol da manhã após uma semana cheia. Pessoas com cães. Pessoas com bicicleta. Pessoas com skate, com um par de patins atados aos tornozelos, pessoas com roupa de corrida, pessoas com roupa social, pessoas com pessoas, pessoas evitando pessoas. E ela, em seu universo isolado e fechado. Mais uma faixa. Mais centenas de passos. Círculos. O parque era grande, logo, não havia motivos para se entediar.
Ao fim da caminhada já eram perto das dez da manhã. Passa em um supermercado qualquer, compra dois pães franceses (esses que no sul chamamos de cacetinho e tendem a ter 50g cada) e uma garrafa de bebida isotônica gelada. Caminha mais lentamente agora, em direção à casa, arrancando porções de miolo de pão e empurrando-o com goles médios de isotônico. Um mendigo de ponto fixo pede uma moeda, ela o ignora. Sempre o mesmo mendigo, sempre o mesmo pedido. "É óbvio que ele vai comprar drogas e continuar miserável. Não dou mais dinheiro pra esse tipo de gente.", pensa ela. Atravessa avenidas. Sinais fechados. Sinais abertos e espera. Sujeitinho verde no sinal. Atravessa. E assim por quadras.
Sobe ao seu apartamento no sexto andar de um edifício de classe média qualquer, nas redondezas do centro da cidade. Toma uma xícara de café com leite,deita-se de forma oblíqua no sofá. Assiste qualquer besteira inútil na tv. Então decide ir almoçar no restaurante nas proximidades do prédio.
Troca-se e desce. Atravessa a avenida sem notar que o sinal está aberto. Um carro comercial qualquer, desses de duas portas, pequeno, a atropela. Ambulância. Hospital.
"O osso esmigalhou nesse ponto aqui", diz a médica à paciente, apontando para a radiografia, "precisarás de pinos.".

Bom, ao menos sábado que vem será diferente.

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