quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Café para dois

Sentou nos calcanhares à beira da estrada e fechou os olhos. Sentiu o ar com os ouvidos, com as narinas. Cheirou profundamente seus batimentos cardíacos. Observou lentamente o odor de poluição de sua cidade de proporções medianas. Levantou-se e andou à beira da rodovia, no sentido inverso dos carros. Vislumbrava faces passageiras, fugazes. Dançava discretamente uma melodia qualquer que vinha em sua mente. Carregava seu casaco acima do ombro direito, o chapéu meio caído sobre a orelha esquerda.

E assim andou por uma hora inteira, precisamente. Então entrou em um café. Era um café bonito, mas sem nada de mais. Paredes forradas de madeira, pôsteres de filmes das décadas de 40 e 50, enormes molduras de motos e carros das mesmas décadas (alguns também dos anos 60), alguns enfeites aleatórios, e assim ia. Além disso havia um grande espelho ao fundo, cobrindo toda a parede atrás do balcão e aos lados, entrecortado pela abertura da porta para a cozinha. Ajeitou o seu havana surrado, bateu a poeira das bordas da camisa, deu três tapas contados em sua face, de leve, com a mão esquerda, então se espreguiçou e sentou no banco mais próximo da saída. Pediu um expresso simples, e um duplo após, e uma dose dupla de dry martini na sequência. Bebericou a bebida observando um casal de jovens adultos à uma mesa ao canto. Conversavam baixo, davam risadinhas, trocavam carícias vagas.

Típico.

Jogou algumas notas em cima do balcão e saiu sem pegar o troco. Dirigiu-se, então, para casa. Chegando lá notou que não possuia suas chaves. Então sentou-se no degrau solitário da porta de entrada e esperou.

Então ela chegou.

Confortadora porém assustadora, carinhosa e cruel. Dislumbrante em seus tons sombrios, seus cabelos negros como a noite sem estrelas, sua pele alva como osso polido. Entregou-lhe a chave, deu-lhe a mão e adentrou na pequena sala de estar com o sujeito. Tomou banho com ele. Tomou um café-com-leite, assistiu o telejornal e deitou-se com ele. Mas nos sonhos do indivíduo ela sempre estava ausente. Sempre era morta por alguém mais. Por um alguém, desconhecido porém ao mesmo tempo tão específico.

E, nesse mesmo ritmo, despertaram antes de amanhecer.

O homem e sua solidão.

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